Dormentes
Passar nosso tempo livre sempre juntos era algo que sempre gostávamos de fazer.
Estávamos ansiosos para o passeio daquele dia, então chegamos cedo à estação.
O acesso à área de embarque era por um elevador que deixava os passageiros já na plataforma.
A estação estava mal iluminada e também o elevador.
Não paramos sequer para um cafezinho, seguimos direto para a plataforma de embarque.
Descemos de elevador acompanhados por um senhor de cabelos grisalhos.
Não tínhamos bagagem, apenas uma maleta, e, assim que o elevador abriu a porta, o trem já estava na plataforma.
Automaticamente, embarcamos o senhor e eu, mas parece que ela havia percebido que tínhamos esquecido a maleta no elevador. Foi o tempo dela olhar para trás e esticar o braço para pegar a maleta e, quando me dei conta, ela tinha ficado para trás.
Desembarquei logo na estação seguinte, retornando para o ponto de origem, mas não a vi mais.
Entrei em desespero. Passei horas perguntando aos que ali estavam se a haviam visto.
Em vinte e cinco anos nunca nos separamos.
Estávamos sempre juntos, no trabalho que dividíamos, em casa, nos sonhos que partilhávamos.
Nos amávamos muito.
Não sei como isso foi acontecer conosco.
Desde então, não passo um dia sem que retorne à estação onde nos perdemos um do outro na tentativa de encontrá-la ou mesmo ter uma pista do paradeiro de minha esposa.
Há vinte anos, ao longo desses sete mil e trezentos dias, tenho voltado àquela estação.
Nunca, mas nunca, perdi a esperança, mas hoje acho que algo se quebrou dentro de mim.
Peguei o trem das seis, e, como sempre, quinze minutos depois, estava na estação onde nos separamos, e, antes mesmo de passar para o outro lado da plataforma onde tudo havia acontecido, eu a vi.
Ela estava lá com a maleta na mão, com aquele vestido que a deixava lindíssima, saindo do elevador, gritando meu nome para o trem que acabara de partir.
Eu fiquei atônito. Senti algo em mim que mesmo que tentasse explicar, nem vinte anos seriam suficientes.
Eu morri naquela hora, naquela plataforma, naquela estação.
Caí desmaiado, velho, cansado, exaurido, desesperançado, vinte anos depois.
Foi então que senti uma mão gelada batendo de leve em meu rosto enrugado e ouvi uma voz que dizia: "Senhor, senhor, acorde! Por favor, senhor!"
Fui socorrido por um homem jovem que desembarcara comigo.
Assim que acordei, olhei por todos os lados tentando avistá-la de novo.
Estava desconsolado e dizia sem parar: "Estou morto, estou morto. A perdi! Ela, tão jovem... A perdi! A perdi! Estou morto!"
Então ouvi novamente a voz: "Não, senhor, seja quem for, foi ela quem morreu. O senhor está aqui mesmo nessa plataforma. Vivo!"
Não tinha como argumentar, então me levantei e voltei para casa pensando que a morte não é apenas de quem se ausenta.
Quando perdemos alguém a quem amamos, também morremos.
Ou se morre para a morte, ou se morre para a vida.
Pôxa, desde fevereiro de 2016 ninguém mais leu este texto tão bonito? Ô povo besta!
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