A Garota e o Passageiro

"Este lugar está vago?"
"Sim, claro" - disse a garota sorrindo enquanto retirava suas coisas do assento.
"Com licença" - sentou-se o homem.
"Desculpe" - complementou a moça.
"Tudo bem."
"É uma longa viagem para se fazer em pé" - disse a garota tentando ser simpática.
"Com certeza. Ainda mais depois de um dia de trabalho."
"Verdade" - concordou a moça e, depois de uma breve pausa, perguntou: "Se importaria se conversássemos um pouco? É que eu estou fazendo uma pesquisa para a faculdade sobre como é envelhecer."
"Ah, você reparou?"
"Reparou o quê?"
"Que eu sou velho."
"O senhor não é velho."
"Mas você me chamou de senhor."
"Por educação. Nós não nos conhecemos e o senhor, quer dizer, você é mais velho do que eu."
"Está vendo, "mais velho" do que você."
"Eu não quis dizer..."
"Tudo bem" - interrompeu o homem - "ao menos você reparou em mim. Normalmente, nessa fase da vida, nós somos como que, invisíveis. Você verá, se não morrer antes é claro. Mas o que você quer saber, afinal?"
"É casado?" - perguntou a garota pulando as preliminares, com medo de que o homem desistisse.
"Sim, pela segunda vez."
"Tem filhos?"
"Sim, uma moça de 19 anos, do primeiro casamento."
"Faz tempo que se casou de novo?"
"Faz 15 anos."
"E não tiveram filhos por quê?"
"Inicialmente, por acharmos que seria melhor nos dedicarmos as nossas carreiras, e depois, minha mulher teve dificuldade de engravidar, aí o tempo passou e chegamos a conclusão de que era tarde demais para isso. É verdade que se ela tivesse insistido, eu seria pai novamente com o maior prazer. Seria a minha segunda chance."
"Você e sua filha não se dão bem?"
"Como explicar... Bom, nós somos como estranhos que vez ou outra têm de conviver."
"E como você se sente com isso?"
"Frustrado. Sabe, há muitas maneiras de fracassar nessa vida, mas quando você fracassa num casamento que resultou em uma filha recém-nascida, essa é a pior forma, pode estar certa."
"Com quantos anos está hoje?"
"Com 57 anos."
"O que você faz?"
"Sou economista e trabalho como gerente de banco."
"Profissionalmente falando, como você se considera, insatisfeito, satisfeito, muito satisfeito?" - e acrescentando - "Parece até telemarketing" - disse a moça rindo da própria piada.
"Eu diria que estou entre a primeira e segunda opção. O que dificulta muito é viver num país onde não há segurança alguma, onde a tensão e o medo de perder o emprego é constante, onde não se pode planejar a longo prazo, onde pessoas com mais de 40 anos começam a ter dificuldade de conseguir emprego e quando chegam na minha idade são desprezadas no mercado de trabalho e fora dele. É como eu disse antes: Nos tornamos invisíveis."
"Você tem algum sonho?"
"Ah, sim. Na verdade esse sonho me persegue desde que me casei pela primeira vez. Eu gostaria de ter uma vida tranquila, sem tantos altos e baixos. Não uma vida de rico, mas uma vida estável que me fizesse ter a certeza de uma velhice satisfatória."
"Você tem algum problema de saúde, alguma deficiência?."
"Sou deficiente visual."
"Ah, então é portador de necessidades especias?"
"Se tenho deficiência, sou deficiente, pode dizer. Quase cego. Não é como a sociedade me nomeia que torna a minha vida melhor."
"O que é envelhecer para você?"
"Envelhecer é desenvolver uma intolerância a hipocrisia, é desenvolver dons de super-herói como a invisibilidade e, finalmente, ser julgado e condenado a viver num corpo que não reflete a sua mente." - O homem fez uma pausa e retirando um cartão de visitas do bolso disse: "Querida, como se chama?"
"Ana."
"A conversa foi boa, Ana, mas preciso ir. Espero tê-la ajudado e se ficou faltando alguma coisa, por favor me ligue."