João e o rio


    ― E aí, João, está gostando do passeio?
    ― Estou sim, vô. Aqui é bem legal. A gente pode correr sem preocupação nessa rua onde não passa carro, e ainda tem esse rio enorme… Pena que a gente não pode nadar.
    ― É… Pena mesmo. Mas tem uma coisa que a gente pode fazer.
    ― O quê?
    ― Pegue umas pedrinhas e vamos sentar um pouco, bem ali na margem do rio, que eu lhe mostro.
    O garoto sai correndo, consegue um monte de pedrinhas e pergunta:
    ― Aqui está bom, vô? ― Já sentando num banco bem junto à margem.
    ― Está ótimo. ― Responde o avô, caminhando lentamente ao encontro do menino. ― Você sabia que quando eu tinha a sua idade eu nadava nesse rio?
    ― Sério?
    ― É, aqui ainda não era um parque, mas, mesmo assim, todos vinham para cá para nadar, subir nas árvores, pescar e… Jogar pedras na água. A gente até apostava para ver quem seria o melhor.
    ― Como assim? Eu sei jogar pedra ― disse o menino, atirando uma pedrinha que afundou logo que bateu na água, fazendo aquele barulho típico.
    ― Ah, mas não é assim que se joga. Você tem que fazer a pedra quicar algumas vezes. Eu era bom nisso, um dos melhores, fazia a pedra quicar umas três vezes antes dela afundar.
    ― Nossa!
    ― Você tem que balançar seu braço para trás pela lateral do corpo, não por cima da cabeça, senão ela afunda.
    ― Assim, vô? ― Perguntou o garoto todo empolgado, tentando imitar o avô, quem fez a pedra quicar duas vezes antes de afundar.
    ― É, mais ou menos. Vai tentando ― responde o avô distraído com a correnteza do rio.
    ― O que foi, vô?
    ― Nada, só estava pensando.
    ― Em quê?
    ― A vida é como um rio.
    ― Molhada?
    ― Não João, Ela passa e vai nos levando para o mesmo fim.
    ― Qual é o fim do rio, vô?
    ― O mar.
    ― Não entendi, nadinha.
    ― É uma metáfora, João.
    ― Meta… O quê?
    ― Metáfora. É quando a gente pega uma coisa para exemplificar outra coisa diferente por causa das suas semelhanças.
    ― Ah… Não entendi, não.
    ― O fim do rio é o mar. Para ele a morte é bem salgada, mas…
    ― Já sei! O fim de todos nós é só a morte mesmo.
    ― Tá pegando o jeito, garoto. Veja, se você for jogado num rio, você nunca vai ficar parado no mesmo ponto nem que você queira, pois a correnteza leva você rio abaixo. A vida é assim, a gente nasce e é como se a gente fosse jogado num rio. Nascemos sem dentição e um ano depois já temos alguns dentes na boca. Dois anos depois já sabemos andar. Mais seis anos e aqui estamos discutindo com o avô sobre metáforas e a vida. Quando você piscar os olhos, lá estará você com seu filho ou talvez com o seu neto, quem sabe até passeando nesse mesmo parque. Até que um dia vai chegar o seu fim.
    ― Aí eu vou pro mar?
    ― É, se você tiver que morrer afogado…
    ― Cruzes, vô! Não quero morrer afogado, não.
    ― Olhe para o rio, João. O que você vê?
    ― Umas ondinhas na água.
    ― É, são como os movimentos da vida. Cada hora acontece uma coisa.
    ― Vejo uns tocos boiando e descendo o rio.
    ― São como as pessoas que passam pela sua vida, uma hora elas estão ao seu lado, na outra elas seguem a correnteza sozinhas, às vezes elas encalham, e é você quem vai rio abaixo seguindo o seu destino.
    ― Ah...
    ― Outra coisa que você precisa saber: Não se deve olhar para trás. É como nadar contra a correnteza. Você já tentou nadar contra a correnteza?
    ― Não.
    ― Pois é, não tente. Pessoas que fazem isso acabam morrendo na praia.
    ― Já sei, uma metáfora!
    ― Isso! Apenas planeje o futuro, aí é como se você tivesse que dar só umas braçadas para chegar aonde você quer, entende?
    ― Mais ou menos.
    ― Não importa. Se tiver dúvidas, e eu sei que ao longo da sua vida você terá muitas, ouça o rio, converse com ele. Observe o seu comportamento, e a vida vai ficar mais fácil de ser compreendida.
    ― Oh vô, eu só tenho oito anos, sabia?
    ― Tudo isso? Então venha cá, toquinho, e ajude esse pedaço de pau velho a seguir caminho, senão vou ficar encalhado aqui nesse banco para sempre.
    ― A gente vai entrar no rio?
    ― Não, a gente vai seguir a vida.

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